terça-feira, 25 de abril de 2017

Natural ou Invenção?


Natural ou Invenção?

A propósito da aula sobre a questão  “Gender Trouble” enunciada por Judith Butler, apercebi-me que este debate é muito actual e que está, a cada dia que passa, a ser construído.
A geração mais jovem certamente não levantará tantas questões como a mais velha/tradicional, e aceitará melhor os novos conceitos relativamente à questão de género, que agora vêm à superfície. No entanto ainda é um tema não aceite em muitos lugares do mundo, que se recusam em desconstruir as suas tradições.

Uma das confusões é fazer a distinção entre género e sexo, que por sua vez são também confundidos com orientação sexual.
O sexo é um atributo biológico, portanto nasce connosco. Ou nascemos (sexualmente) “homem” ou “mulher” / “macho” ou “fêmea”.
A identidade de género é um desenvolvimento cognitivo. Define-se pela maneira como nos identificamos, qual o género a que pertencemos e como nos expressamos sobre isso.
A orientação sexual apenas diz respeito pelo o que sentimos atração.

Escrevo na primeira pessoa do plural porque este é um assunto que diz respeito a todos os seres humanos. Não é um tema com o qual não nos identificamos ou simplesmente ignoramos porque foge à norma, neste caso a heterossexualidade

Postas as definições, o problema está então na questão da Identidade de Género.
Que controvérsia traz este conceito? E porque gere tanto debate em torno dele?

O género não pode ser entendido como reflexo ou extensão do sexo. Neste caso bastava usar a palavra “sexo” para definir o sujeito. Actualmente, existe um conjunto de pessoas que faz esta junção inconscientemente, e de acordo com a história da sociedade o sexo é como se fosse um contracto social. 

No sistema heterossexual, tal como Judith Butler e outros autores o analisam, as Mulheres, gays e lésbicas são postos de parte ou vistos como um erro no sistema, uma fuga a ele. Como Beauvoir descreve: o homem é o sujeito, a generalidade, enquanto a mulher é um particular, o Outro. No seu livro “O Segundo Sexo”, Beauvoir refere que ninguém nasce mulher, torna-se mulher, facilmente podemos ligar à questão de género. 
Desde há muito que as normas do género antecedem o “corpo”. O corpo já nasce com a ideia de o que é ser “homem” ou “mulher” marcadas ao longo da história. Portanto, essa construção de género imposta ao ser humano é anterior e externa ao sujeito.

Para impor tais normas é preciso esse “corpo” ser passivo e “destruído” pela história.

“E a história é a criação de valores e significados por uma prática significante que exige a sujeitação do corpo.” 

Judith Butler, em Problemas de gênero

A questão que se coloca, e que eu defendo de certa maneira, é se essa definição de género não passará por ser uma auto-construção e uma acção cultural que deriva da própria pessoa que define aquilo que é? Neste caso, cada um define a sua identidade e não fica resumido à definição binária. 

No fundo, antes dessa destruição cultural sobre o corpo existe outro corpo antecedente, outra consciência de si mais estável e idêntica a si mesmo, mais fiel ao sujeito. A identidade de género parte daí, e consequentemente constrói-se de acordo com o que cada um sente e com aquilo que se identifica, contrariamente ao conjunto de normas que levam a uma só direção - homem ou mulher (heterossexuais). Uma pessoa que nasce com um determinado sexo não se pode restringir a reproduzir um modo de ser e viver submetido a um conjunto de regras, conceitos, significados já delineados pela sociedade. Nascendo com um sexo existem inúmeras hipóteses de comportamentos e maneiras de se manifestar. 
Não consigo identificar problemas relativos a esta fuga ao sistema, em que sejam prejudicados os direitos humanos. Pelo contrário, ao excluirmos as pessoas estamos a interferir com a liberdade desses direitos.
As normas que constituem o género apenas preveniram (e previnem-nos) de fazer e ser aquilo que faríamos e seríamos nós próprios.

A construção de identidade é posterior ao sujeito, não o contrário. 
Actualmente não faz sentido continuarmos com uma “lei de desenvolvimento sexual”, visto que existem excluídos.

A questão de género não é invenção, é a natureza humana e como nos manifestamos.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

Memória e a usabilidade dos objetos

A memória é, sem dúvida, um dos maiores bens a nível emocional e experimental que o ser humano pode ter. Pode ser confusa, e muitas vezes até pode falhar ‒ não armazena dados como a memória RAM do computador e nem sempre se recorda de tudo o que se passou ‒, mas a memória é um poço de lembranças e experiências que já se teve e que, na maior parte das vezes, se traduz em muitas ações e decisões do nosso quotidiano. O mais curioso é que a memória tem a capacidade de esquecer aquilo de que não se quer lembrar e de se lembrar do que não quer esquecer, e isso não se traduz apenas em sensações mas também em objetos. Exemplo disso é a moda de hoje em dia, na qual nunca estiveram tão presentes vivências do passado (“retro”) – é cíclica. A moda “retro” recupera a usabilidade dos objetos, incorporando inovação, criatividade e qualidade no produto, relacionando assim o fator clássico ao moderno. Frigoríficos antigos que hoje são chamados “retro” como os SMEG, têm a “cápsula” antiga que está novamente na berra, mas o seu interior é (aos olhos do consumidor) total-mente recente e funcional; esse é um exemplo de como tudo é adaptável e mutável no design.

quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

Acordando

Por vezes, em voltas e revoltas interiores apercebo-me de certas coisas que continuam a mexer com a minha ervilha. No decorrer dos dias as coisas acontecem e com as distrações que encontramos esquece-se as frustrações passadas, mas no aconchego da noite abre-se um espaço para a reflexão sobre até a mais ridícula das coisas. Por entre todas as coisas com que me entretenho a pensar ignoro os desacatos e inutilidades e no final acabo a pensar numa das coisas que sempre atormenta e revolta o meu ser, “porque é que ainda tratam as pessoas dependendo do que lhes está no meio das pernas?”.


Há muito que se diga sobre esse assunto mas penso que deixar que a pergunta entranhe é a melhor das hipóteses numa primeira abordagem. Até porque por vezes estamos distantes demais – desvalorizamos e ignoramos o que acontece como quem está confortável. O pior é que estamos mesmo! Andamos conformados com a imposição. E por momentos penso: mas o povo está morto?, ou só muito adormecido?

A história da sexualidade?

“Diz-se que no início do século XVII ainda vigorava uma certa franqueza. As práticas não procurava o segredo; as palavras eram ditas sem reticência excessiva e, as coisas, sem demasiado disfarce. ” (Foucault, 1988, p.9) No meu “hoje” não é o caso. As coisas acontecem pela calada, tentando afirmar a inexistência de qualquer prática, iludindo mais a mim própria do que o resto do mundo a quem nada devo.

Encontro-me em “Gestos diretos, discursos sem vergonha, transgressões visíveis, anatomias mostradas e facilmente misturadas (…)” (Foucault, 1988, p.9) com este indivíduo.  Como diria Michel Foucault, “entre divã e discurso”, suor e ideias, sinto uma espontaneidade em partilhar com a criatura, faz 2 meses. No entanto noto os movimentos rápidos que descrevo, tentando fugir o mais depressa possível quando caio em mim e me lembro: fui ensinada que não me devo dar a quem não me promete o mundo. Fui ensinada a não falar sobre sexo. E não fui ensinada sobre sexo. O assunto foi reprimido. “É porque se afirma essa repressão que se pode ainda fazer coexistir, discretamente, o que o medo do ridículo ou o amargor da história impedem a maioria dentre nós de vincular: revolução e felicidade; ou, então, revolução e um outro corpo, mais novo, mais belo; ou, ainda, revolução e prazer (…)”(Foucault, 1988, p.12).

 “Roçar os corpos e os acariciar com os olhos, assim como eletrizar algumas regiões e intensificar superfícies (…)”(Foucault, 1988, p.44) continua a fazer parte do nosso instinto pessoal mas ainda assim prosseguimos oferecendo o poder de controlar (“multiplicidade de correlações de forças imanentes ao domínio onde se exercem” [Foucault, 1988, p.88-89]) às entidades (família, igreja, etc.) que o pretendem fazer quanto ao sexo em geral através da aceitação do mesmo como um tabu.

Há que “Falar contra os poderes, dizer a verdade e prometer o gozo.” (Foucault, 1988, p.13).


Foucault, Michel. (1976). História da Sexualidade I: A vontade de saber. Rio de Janeiro, Edições Graal, 1988.



quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

O grande mercado kayan


Era uma vez um tempo em que havia alguns conhecimentos e algumas pessoas que necessitavam ou desejavam aprender. Foi, portanto, criada a escola, para simplilficar tudo, e assim, em vez de se ir ao bosque colher as poucas bagas de conhecimento espalhadas, as pessoas começaram a ir a um único mercado geral, onde, teoricamente, se encontrava a maior parte dos conhecimentos que podiam/queriam/necessitavam aprender.
Estes mercados gerais eram, provavelmente, o que de mais incrível e cheio de potencial teria sido pensado até então.
No entanto, o mercado adquiriu uma estrutra, tornou-se mais arrumado e ordenado, de modo a ser mais acessível e prático. Acabou, todavia, com o atrofiar dos hábitos, dos pensamentos, dos cérebros, ordenando-os numa metodologia de conhecimento, seleccionando, inevitavelmente, as informações.


Uma situação institucionalizada encontra o seu espaço na sociedade, ou seja, é influenciada por ela e a ela influencia. Pára-se de questionar, e aceita-se como óbvia e necessária, qualquer característica da situação; quando as características são apenas adjectivos e não dados constituintes.

A estrutura da escola torna-se mais necessária do que a razão para que foi originariamente criada, e do que aquilo para que, teoricamente, teria que ser precisa. É importante o facto que na escola se reflita automaticamente e rigorosamente a sociedade, tanto como o facto que a escola seja reflectida na sociedade.

 Já não se trata da caça à sabedoria, da investigação, da procura, da quête, da tentativa de avançar para um saber superior e útil. A utilidade acaba por se tornar a rotina, a necessidade de ir à escola, de a finalizar para receber aquele pedaço de papel, que é mais reconhecido do que um verdadeiro conhecimento.O conhecimento não comprado ao grande mercado é considerado como de uma “marca falsa”, e a sabedoria produzida fora da certificação do grande mercado é vista como suspeita, tal quanto uma leitura de tarot.
Todavia, a escola criou e fomentou uma estrutura (obviamente o que de mais forte é trasmitido no local proposto ao conhecimento é a forma de aprender); agora quem quer estudar parece que só pode encontrar conhecimento no grande mercado, e os outros conhecimentos encontrados são mal vistos, bagas venenosas.
A escola é estruturada e é um filtro; torna-se filtro, um bloqueio. Como os anéis das mulheres kayan, é bem aceite socialmente, até incentivado, mas acaba por ser a estrutura o que pode matar a construção; torna-se o oposto daquilo para que foi criada.

terça-feira, 5 de janeiro de 2016

Consequências das acções

Durante a nossa vida inteira é nos dada a opção de escolha das nossas acções, estas que, consequentemente, vão ter impacto na nossa vida.
Começa logo desde pequeninos, como a simples decisão de escolha entre um brinquedo ou outro, ou que tipo de sabor escolher no gelado. Mas a verdade é que à medida que o tempo avança, as acções que vamos tomando vão influenciar a nossa vida cada vez mais e mais, ao ponto de um erro poder alterar o nosso estilo de vida ou a nossa maneira de pensar. A verdade é que todos cometemos erros.

Às vezes podemos não tomar as melhores decisões ou simplesmente pensar que uma decisão é a mais acertada e que de maneira alguma vai dar errado, mas todos sabemos que nem sempre é assim. Por vezes temos que pôr a mão na consciência, apercebermo-nos do que nos rodeia e pensar duas ou até três vezes no que vamos fazer a seguir. É verdade que há vezes em que pode não estar ao nosso alcance e daí não haver nada que possamos fazer para o impedir, e mesmo assim correr mal para o nosso lado. Eu acho que é algo bastante natural, todos vamos, eventualmente, errar vezes sem conta, vamos sentir na pele as consequências e no fim de tudo é esperado aprender algo sobre elas, porque no final de tudo somos todos humanos e todos iguais de uma maneira diferente.  

segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

egocinema

“(...) o cinema tem estruturas de fascínio suficientemente fortes para permitirem a perda temporária do ego enquanto em simultâneo reforça o ego. A sensação de esquecer o mundo temporariamente, que o ego depois percebe (eu esqueço quem sou e onde estou) é uma reminiscência nostálgica do momento pré-subjectivo do reconhecimento da imagem. Ao mesmo tempo o cinema salienta-se na produção de ideais de ego (...)”

Laura Mulvey, O Prazer Visual e o Cinema Narrativo


Nasci no século 20 e vivi a passagem para o século 21, desde criança que adoro cinema no entanto é complicado relembrar o meu sentido crítico dos 0 aos 4 anos, sendo assim, foi no século 21 onde maioritariamente amadureci o meu gosto cinematográfico. Laura Mulvey, citada acima, refere-se ao ego como algo quase que moldável perante o cinema. O ego, o defensor da personalidade tem como principal função procurar um equilíbrio perante os desejos e a realidade utilizando os valores da sociedade como elemento intermitente. Sendo esta realidade realizada pela percepção do próprio indivíduo. O cinema apresenta-nos de facto realidades, por vezes fictícias, por vezes o argumento de que uma certa produção é baseada em factos verídicos. Ambas realidades se apoiam em estruturas de fascínio, no entanto sinto que este fascínio torna-se facilmente mais alcançável com o progredir temporal do universo do cinema, onde no presente século 21 o cinema, nomeadamente o de Hollywood tem se tornado numa indústria de produção de filmes em massa de um modo preguiçoso. Já vi desde filmes clássicos a recentes e parece haver uma lenta suavização do mercado, onde filmes fracos acabam sempre por arranjar multidão e apoio. A culpa é nossa, pois os nossos interesses estúpidos permitem a própria produção e quase reciclagem de maus filmes. Existe uma obsessão com a novidade, e com o progredir da tecnologia e o aparecimento da internet muitas novidades não o deveriam ser intituladas tal. Claro que continua um amplo mercado aberto a criatividade e a grandes ideias a serem criadas, mas o problema está nesta flexibilidade que proporcionamos ao nosso ego, ao nos submetermos a fracas e planas ideologias de entertenimento. A sensação da perda e reforço em simultâneo do ego proporcionada pelo cinema pode tomar posições bastantes positivas, até com a produção de ideais de ego, onde podemo-nos inspirar ou guiar certas ações perante as que vimos nesta realidade perceptivel pelo visualizador, mas também pode tomar proporções negativas e penso que o recorrente tentar manipular do ego do visualizador tem demasiadas liberdades, a que nos submetemos estupidamente, perdendo valor, o verdadeiro bom cinema.